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Acervo da Laje

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Por José Eduardo Ferreira Santos [1]

O Acervo da Laje nasceu do encontro com o fotógrafo Marco Illuminati, quando, nos desdobramentos da pesquisa sobre “A arte invisível doa trabalhadores da beleza das periferias de Salvador”, comecei a juntar as obras dos artistas do Subúrbio Ferroviário de Salvador, que não são conhecidas nem pelos moradores da área nem pelas muitas pessoas que conhecem ou desconhecem o SFS.

Dentro dessa pesquisa de fotografias, textos e entrevistas, senti a necessidade de mostrar in loco, de modo concreto, essa beleza que estávamos descobrindo e que até então era inédita para mim que aqui habito, assim como para os seus moradores, enfim. Para isso solicitei à minha supervisora no Pós – Doutorado no PACC – UFRJ, a possibilidade de não viajar ao Rio para comprar as obras , o que ocorreu foi que comprei centenas delas e o espaço é único na periferia de Salvador, por proporcionar o encontro da população com obras de arte que raramente estariam à sua disposição.

A pesquisa nos possibilitou ver que a beleza está no lugar e nas pessoas, prova disto é a pesquisa fotográfica “Cadê a bonita: a beleza das mulheres de Novos Alagados”, que nasceu no intuito de documentar, registrar e preservar a memória das mulheres que são presenças fundamentais para entender as comunidades do SFS.

Assim como essa pesquisa, não quisemos ver o exótico ou o estereótipo das mulheres e dos artistas: queremos dialogar com o mundo, a cultura e com a arte, mostrando que as situações de pobreza não conseguem eliminar o elo que nos une à humanidade e à arte.

Neste sentido o Acervo da Laje é um espaço de memória e beleza, caracterizado pela força que brota do fazer artístico do humano presente em muitos lugares, coisa que pode parecer impossível para muitas pessoas.

Como aspecto social relevante, a exposição fotográfica e as fotos do trabalho “Cadê a bonita?” são uma continuidade dessa nossa percepção de que a beleza é universal e podemos dialogar com todos, sem os estereótipos ou estigmas de “pobreza” ou discursos ideológicos que pretendem definir os pobres como “sem” condições de dialogar com o refinamento e a cultura que caracterizam outros âmbitos e contextos da humanidade.

Como realidade concreta o Acervo se constituiu em sua materialidade em 2011, depois de um ano de pesquisa com o Marco Illuminati, mas, antes disso, é a síntese de mais de quinze anos de pesquisas que venho realizando em Novos Alagados e no SFS, além das sempre disponíveis bibliotecas que tenho construído: a Zilda Paim (Acervo Geral), a Maria Helena de Araújo Santos (Coleção) e Dr. Wilde Oliveira Lima (Obras Raras).

O aspecto social do Acervo da Laje é uma reconstrução do mosaico simbólico da periferia de Salvador, ou seja, estamos restituindo aquilo que a própria cidade retirou dessa área e nunca lhe devolveu: a dignidade, a cultura, o acesso às obras de arte e à beleza, seja ela no território, nas pessoas e nas obras de arte.

Se é possível definir o Acervo da Laje, com as pesquisas “Cadê a bonita? A beleza das mulheres de Novos Alagados”, “A arte invisível dos trabalhadores da beleza nas periferias de Salvador” e as milhares de fotos dos artistas invisíveis das periferias de Salvador, posso dizer que a nossa proposta tem a função de mostrar o refinamento cultural e a arte dos moradores das periferias, que produzem e dialogam com o que de melhor foi feito no mundo em relação às artes, no entanto, sem a devida valorização e exposição, o que pode ser uma novidade pelo fato de no espaço fixo de uma laje as pessoas puderem ver e contemplar essa síntese através das centenas de obras expostas e que estão abertas à visitação pública, querendo comunicar, fazer o encontro acontecer entre os moradores das comunidades e os visitantes, provocando as mais diversas reações e quebrando os paradigmas de que a pobreza não pode dialogar com todos os âmbitos da sociedade.

Recentemente realizamos a exposição “As águas suburbanas no Acervo da Laje”, no Centro Cultural Plataforma, onde mais de 200 pessoas visitaram e assinaram o livro de visitas. Pela primeira vez, na periferia de Salvador, as pessoas estão encontrando a arte que é realizada aqui de forma tão elaborada.

Por isso, vejo o espaço do Acervo da Laje como um local fixo de:

a)     Recuperação da memória ancestral e artística do Subúrbio Ferroviário de Salvador e de seus artistas;

b)     Encontro das pessoas com a arte e a cultura produzida no SFS, quebrando os estereótipos de exclusão, pobreza e negação ou mesmo de privação do belo;

c)     Aprendizado da questão de que o belo está onde o humano se encontra;

d)     Quebra da invisibilidade da história do SFS, devolvendo-o à Cidade da Bahia, pertencendo a Ela, com direito à visibilidade de obras e artistas que foram esquecidos por fatores mercadológicos, sociais e culturais;

e)     Documentação da memória do SFS e de Novos Alagados através de fotografias, negativos, jornais, livros raros, publicações, DVDs, CDs, entrevistas, documentários,  enfim, toda a produção existente sobre a região e seus moradores;

f)      Superação da invisibilidade do SFS e de seus artistas e moradores, sem reducionismos;

g)     Diálogo com a sociedade civil, academia, agentes culturais da Bahia, Brasil e do mundo.


[1] Mestre em Psicologia (UFBA), Doutor em Saúde Pública (UFBA). Pós – Doutorando em Cultura Contemporânea – PACC – UFRJ.

> Leia mais sobre o Acervo da Laje

* Artistas invisíveis da periferia | Palestra de José Eduardo na UFBA

* Notícias sobre o Acervo da Laje | Artigo de José Eduardo

* Reportagem com fotos de Marco Illuminati na revista italiana Fotografia Reflex (maio de 2012)

Entrevista de José Eduardo para a revista Muito (setembro de 2011)

* Matéria publicada na revista Italia News (maio 2010)


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